O ano é 1938, dia 30 de outubro, véspera do Halloween. Cidadãos americanos ouvem seus rádios no conforto de casa quando são interrompidos por um plantão de notícias extraordinárias, um relato da invasão de marcianos.
A audiência da rádio explode. O pânico toma conta de inúmeras cidades. O que parecia o fim do planeta era na verdade uma encenação do livro “A Guerra dos Mundos” do escritor Herbert George Wells, narrada pelo cineasta Orson Welles. O início de uma peça de radioteatro que a emissora CBS resolveu transmitir “inovando” na sua abertura.
Essa transmissão entrou para a história como um dos casos clássicos de algo que parece novidade, mas já existe há muito tempo: as notícias falsas.
Fake News não são novidades. A diferença entre a brincadeira de gosto duvidoso de Orson Welles e os dias de hoje está no impacto que as notícias falsas são capazes de causar.
As eleições norte-americanas de 2016 e as posteriores investigações sobre redes de notícias fraudulentas ampliaram o debate sobre o perigo das fake news, principalmente seus impactos políticos e econômicos sobre a sociedade. Ainda mais quando tudo isso está inserido em meio à uma era digital, onde a multicanalidade e o compartilhamento rápido de informações é uma realidade.
A doutora coordenadora acadêmica da Saint Paul, professora Lilian Carvalho, pontua sobre a multicanalidade e os desafios trazidos por essa nova realidade de consumo de conteúdos noticiosos:
“A profusão de canais potencializou o surgimento de fake news. A existência dos canais não é um problema, porém, a oferta dificulta a tarefa dos tomadores de decisão de encontrar as informações corretas.”
Gestores de empresas e pessoas encarregadas de tomar decisões empresariais são um grupo de risco neste cenário de notícias falsas. Informações erradas podem balizar decisões ruins para os negócios e para a carreira.
Por isso, é fundamental discutir as fake news não apenas como uma ameaça ao cenário político brasileiro, mas também como um obstáculo para uma análise de dados confiáveis e o bom desempenho das empresas no momento de fazer sua gestão de riscos e prospectar cenários de desenvolvimento.
Qual a relação entre fake news e gestão de risco?
O grande desafio se dá na formação da bagagem intelectual dos tomadores de decisão. Seu trabalho para ter uma boa gestão de riscos depende de informações, e muitas dessas provém de fontes jornalísticas.
Vamos à um exemplo prático:
Imagine que um grupo de executivos tem em mãos duas ofertas de fornecimento de matéria prima, uma brasileira e uma chinesa. Ambas são bastante competitivas, mas os brasileiros apresentam leve vantagem. Contudo, um dos executivos levanta informações sobre uma proposta do governo de aumentar a alíquota de impostos. Receosos com a decisão do Governo, a empresa fecha com os chineses, pagando mais caro e correndo os riscos do câmbio instável do dólar. Semanas depois, a notícia sobre os impostos é desmentida e a empresa perdeu a chance de fazer um negócio mais vantajoso.
A tomada de decisão empresarial é feita sobre a análise de dados confiáveis, informações verídicas e fontes consistentes. Somente um trabalho de ampla pesquisa resulta em escolhas estratégicas, inteligentes e que se convertem em melhorias para a organização.
O perigo das fake news mora exatamente na busca pelas informações que constroem a opinião e as análises dos tomadores de decisão.
Due diligence e fact checking: as armas dos gestores contra as notícias falsas
No universo corporativo, due diligence é o ato de pesquisar e analisar profundamente uma oportunidade/empresa/proposta levando em consideração todos os riscos e benefícios que ela oferece, tanto a longo como a curto prazo.
Essa prática é bastante utilizada por grandes organizações e gestores que se preocupam com uma análise aprofundada e cautelosa para ditar os rumos da empresa e de seus resultados.
Mas não podemos nos esquecer que essas análises são feitas por seres humanos, pessoas que estão vivendo numa era em que informações (nem sempre verdadeiras) circulam em uma velocidade absurda e nos impactam quando queremos, ou quando menos esperamos. A diversidade de fontes é uma dádiva e um risco para formação de opiniões.
Construir uma análise de mercado sobre informações falsas pode ser desastroso para os negócios. A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) fez uma pesquisa com 52 empresas nacionais e internacionais e levantou dados interessantes.
O estudo apontou que as empresas se preocupam com as fake news como um potencial dano à sua marca (cerca de 91%), mas apenas 40% receiam os impactos econômicos que elas podem causar. O cenário se agrava com a porcentagem de empresas que declararam não tratar as notícias falsas como tema estratégico: 67%.
Mais do que tomar cuidado, é preciso formar uma base segura de fontes e tratar as notícias falsas como uma ameaça à sobrevivência e crescimento no mercado. O processo de fact-checking se tornou uma obrigação para evitá-las.
A doutora coordenadora acadêmica da Saint Paul, professora Lilian Carvalho, aponta que a melhor solução é desconfiar e conferir:
“Ao se deparar com uma informação impactante, os tomadores de decisão precisam sempre buscar fontes para os dados e, principalmente, analisar se a notícia faz sentido dentro de um contexto”
O trabalho de checagem da veracidade dos fatos não é algo simples. Porém, algumas dicas podem ajudar, confira:
- Desconfie de fontes que você desconhece e procure informações sobre elas no Google;
- Quando as informações envolverem nomes, empresas, cidades, instituições, busque mais sobre elas e tente analisar se as informações encontradas se encaixam no contexto da notícia;
- Desconfie de pesquisas e estatísticas sem fonte ou que apresentam apenas descrições genéricas como “pesquisadores ingleses”;
- Se uma informação é muito impactante, com certeza foi divulgada por mais de um veículo. Cheque os fatos em diferentes fontes;
- Ao baixar PDFs, documentos e planilhas, tente sempre buscar a fonte original pois o arquivo pode ser alterado por pessoas má intencionadas que as compartilham como dados originais.
O fenômeno das fake news também trouxe algumas boas novidades. Entre elas destacam-se as agências de fact-checking, empresas que funcionam como uma consultoria de informações e que trabalham analisando sites, links compartilhados em redes sociais e informações que são veiculadas nos mais diversos meios.
Vale a pena conferir o trabalho dessas agências. Existe inclusive uma rede internacional de checagem jornalística, criada pelo Poynter Institute (EUA).
A checagem de informações é fundamental para construir uma análise de dados confiáveis e consistentes, que não espelham uma realidade fora de contexto.
As empresas precisam analisar os impactos das fake news além de sua reputação, olhando para as decisões estratégicas e a formação da opinião e da bagagem intelectual dos gestores.
O trabalho contra as fake news envolve conscientização, debates e o estímulo à cultura do Due Diligence e do Fact-Cheking, que são procedimentos-chave para construir boas decisões.
Sobre os procedimentos de checagem das informações, a doutora coordenadora acadêmica da Saint Paul, professora Lilian, reforça sobre a necessidade de ampliar perspectivas:
“Além de buscar diversas fontes, é importante procurar fontes que não possuam sempre o mesmo viés. Para sair da sua bolha e diminuir o risco, é preciso sair das fontes tradicionais e avançar as pesquisas.”
Em um cenário no qual o acesso à verdade se tornou um desafio, cabe às empresas e gestores se munirem contra qualquer adversidade que possa prejudicar o exercício de sua profissão e a qualidade do seu trabalho.